Era uma pequena cidade, situada no meio das colinas, não muito longe da capital do país. Existia há já muitos anos e isso percebia-se pela arquitectura dos seus prédios, todos de baixa estatura e de cores desmaiadas.
Como cidade tinha pouco para oferecer e, os seus jovens preferiam ir divertir-se para a capital. No entanto era um local agradável para se viver, sem grande poluição e confusão. Mas o seu maior trunfo era as verdejantes colinas que a circundavam; do alto destas avistava-se toda a cidade e se olhassem para Este podia-se ver o mar.
O número 18 de uma das suas ruas era um prédio de tom verde e com apenas três pisos. Era na cave deste que vivia João e a sua família.
João era descendente de uma das primeiras famílias que se havia mudado para aquela cidade, mas isso não o havia ajudado muito. Vivia naquela cave escura e, na maior parte das vezes, era obrigado a roubar para poder alimentar a sua família. Outras vezes ele e a sua mulher procuravam, quase sempre depois de anoitecer, comida nos caixotes dos vizinhos. Nesse aspecto não havia nada melhor que o lixo dos inquilinos do 1º andar, que esbanjavam comida.
João tinha quatro filhos, mas só um deles era do sexo feminino. Haviam tido outra filha, de nome Maria, mas esta havia sofrido um acidente mortal, que no fundo não passou de uma brincadeira de crianças. Fazia dois anos que, num dia de Verão, tinham ido fazer um piquenique para as colinas. Aí a pequena Maria, que era bastante atrevida, aproximou-se de uns miúdos e tentou roubar-lhes um bolo. Um deles viu-a e atirou-lhe uma pedra. Atingida na cabeça viria a morrer umas horas depois. João quis fazer justiça pelas suas próprias mãos, mas a sua mulher disse-lhe que não valia a pena, pois sempre haviam sido escorraçados pela sociedade e, no fundo, eram uma família de ladrões.
Presentemente era muito raro irem passear para as colinas e os pequenos, em vez de irem para a escola, andavam a aprender como roubar sem serem apanhados. Não que fossem uns incultos, na realidade adoravam livros e quando tinham um novo era uma verdadeira festa.
João sabia que eles gostariam de ter uma televisão ou rádio, mas não tinham possibilidades para isso. Assim limitavam-se a ouvir a dos vizinhos de cima, que punham sempre o som muito alto, e por vezes iam sorrateiramente até à janela da sala destes e pelos vidros espreitavam as imagens que passavam no pequeno écran.
Nessa noite algo de preocupante se passava, João percebia isso pelo tom nervoso com que os locutores da televisão falavam. Querendo saber mais, deslocou-se até à janela da sala dos vizinhos e percebeu o que se passava.
Voltou rapidamente para casa e, pegando na sua mulher e filhos, fugiu para as colinas. Pelo caminho avisou alguns vizinhos, que por sua vez avisaram outros que se juntaram à família de João no êxodo para as colinas.
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Numas ruas abaixo morava Helena, uma professora primária que se havia mudado para aquela cidade há muito pouco tempo. Ela mal podia acreditar no que ouvia nas notícias. Os governadores dos países de todo o mundo estavam unidos contra um inimigo comum que ameaçava destruir o mesmo. O pânico e o medo eram visível nas faces e vozes de todos eles.
Quando a electricidade faltou, calando a televisão e escurecendo tudo à sua volta, Helena soube que o fim do mundo havia começado.
Correu para a rua, onde se juntou a uma pequena multidão de pessoas em pânico, quando a explosão se deu, todos viram o seu clarão e tudo começou a vibrar em seu redor. Ela perdeu o equilíbrio e caiu, ficando inconsciente ao bater com a cabeça no chão.
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Na colina João e os que se lhe haviam juntado, tremiam de medo ao ver a sua cidade desmoronar-se. Ouviam-se gritos, explosões e pequenos incêndios começavam a deflagrar pela cidade. Os filhos dele abraçaram-se a si e à sua esposa chorando. João tentou acalmá-los, dizendo que tudo ia correr bem e que eles fariam sempre parte dos sobreviventes.
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Helena acordou ao ouvir gritos e a sentir um forte cheiro a queimado. À sua volta tudo era um caos; prédios destruídos, corpos caídos pelas ruas, pessoas pedindo ajuda e uma estranha poeira cobria as ruas. Cambaleando, levantou-se e tentou andar.
Ao princípio as suas pernas pareciam não lhe querer obedecer mas, após algum esforço, lá conseguiu dar uns passos. A sua mente só registava o caos, descurando os terríveis pormenores daquela tragédia mortal. Havia mais pessoas andando, mas ela não conseguia reconhecer as suas faces e na realidade isso nem lhe interessava. O seu instinto era salvar-se e olhou com esperança para as colinas.
Estas estavam calmas, como se nada lhe tivesse acontecido e ela decidiu deslocar-se até lá. Algumas pessoas juntaram-se a ela, pois na verdade as colinas pareciam ser o único lugar seguro no meio de toda aquela catástrofe.
Ela foi a primeira a chegar ao sopé de uma das colinas, reparando que no alto destas havia movimento. Afinal ela e os que a seguiam não eram os únicos sobreviventes. Começou a subir a colina, parando ao fim de alguns passos. À sua frente João olhava para ela e um medo irracional apoderou-se dela. O seu olhar faminto e de raiva, fê-la recuar. As pessoas que a seguiam não se aperceberam de nada e empurravam-na para a frente, não a deixando voltar para trás.
Com um grito ela obrigou-as a parar, apontando de seguida para João e para as centenas de outros ratos que se lhe haviam juntado. As pessoas começaram a gritar e a correr colina abaixo, mas era tarde de mais. Tinha chegado a hora dos ratos e os despojos eram seus.
Helena não fugiu, limitou-se a deixar-se cair no chão e a perder a consciência. Pouco depois João e outros passaram por cima dela, rumo à cidade que não tardaram a invadir.
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